A conferência de Paulo Portas
e Maria Luís Albuquerque

Operação de engano e manipulação<br> da opinião pública

Eugénio Rosa

A con­fe­rência de im­prensa re­a­li­zada por Paulo Portas e pela mi­nistra das Fi­nanças Maria Luísa Al­bu­querque, em 3-10-2013, após a 8.ª e 9.ª ava­li­a­ções da troika, foi uma au­tên­tica re­pe­tição da con­fe­rência dada por Só­crates e Tei­xeira dos Santos quando, em 11 de Maio de 2011, as­si­naram o «Me­mo­rando de en­ten­di­mento» também com a troika: – fa­laram da­quilo que não ti­nham ne­go­ciado com a troika, e es­con­deram aos por­tu­gueses tudo aquilo que ti­nham aceite.

O Go­verno PSD/​CDS e troika pre­tendem, em 2014, fazer ainda mais cortes na des­pesa pú­blica no mon­tante de 3879 de mi­lhões euros os quais, a con­cre­ti­zarem-se, cau­sarão um agra­va­mento ainda maior das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas

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O en­gano e ma­ni­pu­lação da opi­nião pú­blica por Paulo Portas e Maria Luísa Al­bu­querque foram fa­ci­li­tados pelo facto de os jor­na­listas pre­sentes na con­fe­rência de im­prensa não terem em seu poder e uti­li­zado a carta en­viada por Passos Co­elho à troika (en­de­re­çada a Durão Bar­roso, Mario Draghi, e Ch­ris­tine La­garde), em 3 Maio de 2013, após a 7.ª ava­li­ação da troika, onde o 1.º mi­nistro se com­pro­metia a aplicar em 2013, mas também em 2014 e 2015, um vi­o­lento pro­grama de cortes bru­tais na des­pesa pú­blica, com ca­ráter for­te­mente re­ces­sivo, e vi­rado fun­da­men­tal­mente contra os tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas. Se os jor­na­listas ti­vessem pro­cu­rado es­cla­recer (e te­riam pres­tado cer­ta­mente um bom ser­viço ao País e a uma in­for­mação ob­je­tiva) se os com­pro­missos cons­tantes dessa carta to­mados pelo 1.º mi­nistro iriam ser apli­cados em 2014, cer­ta­mente a ma­ni­pu­lação e o en­gano da opi­nião pú­blica por Paulo Portas e Maria Luísa Al­bu­querque te­riam sido mais di­fí­ceis.

Aquilo de que Portas mais falou – Con­tri­buição de sus­ten­ta­bi­li­dade do sis­tema de pen­sões, a que ele chamou TSU dos pen­si­o­nistas – para en­ganar e ma­ni­pular os por­tu­gueses, cri­ando a sen­sação falsa de que não se ve­ri­fi­caria mais aus­te­ri­dade brutal em 2014, já nessa carta de 3 de Maio se dizia que era para não ser apli­cada.

Re­cor­demos então o «pa­cote» de aus­te­ri­dade para 2014 cons­tantes da carta que Passos Co­elho en­viou à troika em 3 de Maio de 2013, após a 7.ª ava­li­ação da troika, cuja cópia jun­tamos em anexo, para co­nhe­ci­mento do leitor.

Des­truição dos ser­viços pú­blicos
es­sen­ciais à po­pu­lação

A juntar ao au­mento brutal de im­postos ve­ri­fi­cado em 2013, que se man­terá em 2014 (ta­bela de IRS for­te­mente re­gres­siva; au­mento sig­ni­fi­ca­tivo das taxas de IRS; cortes im­por­tantes das de­du­ções no IRS; so­bre­taxa de IRS; Con­tri­buição Ex­tra­or­di­nária de So­li­da­ri­e­dade, também co­nhe­cida por CES, etc., que re­du­ziram sig­ni­fi­ca­ti­va­mente o ren­di­mento lí­quido dis­po­nível dos tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas e que o Go­verno quer manter em 2014); re­pe­tindo, para além do au­mento brutal de im­postos e dos cortes já sig­ni­fi­ca­tivos feitos na des­pesa pú­blica em 2013, que o Go­verno PSD/​CDS quer manter em 2014, e que agravou sig­ni­fi­ca­ti­va­mente as con­di­ções de vida e as di­fi­cul­dades da mai­oria das fa­mí­lias por­tu­guesas, o Go­verno PSD/​CDS e troika pre­tendem, em 2014, fazer ainda mais cortes na des­pesa pú­blica no mon­tante de 3879 mi­lhões de euros os quais, a con­cre­ti­zarem-se, cau­sarão um agra­va­mento ainda maior das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas pois pro­vo­carão a des­truição de im­por­tantes ser­viços pú­blicos. E esses cortes são os se­guintes:

  • Des­pe­di­mentos e mo­bi­li­dade es­pe­cial na Função Pú­blica – 448 mi­lhões de euros
  • Au­mentos dos des­contos para a ADSE, SAD e ADM, corte no tra­balho ex­tra­or­di­nário, au­mento do ho­rário de tra­balho – 520 mi­lhões de euros

  • Cortes adi­ci­o­nais nos con­sumos in­ter­mé­dios da A. Pú­blica – 280 mi­lhões de euros

  • Corte na Ta­bela de re­mu­ne­ração única na Função Pú­blica – 378 mi­lhõesde  euros

  • Corte nos su­ple­mentos na Ad­mi­nis­tração Pú­blica – 67 mi­lhões de euros

  • Mais cortes de des­pesa com a edu­cação – 325 mi­lhões de euros

  • Mais cortes na se­gu­rança so­cial (pres­ta­ções) – 299 mi­lhões de euros
  • Mais cortes na saúde – 127 mi­lhões de euros

  • Mais cortes na cul­tura – 56 mi­lhões de euros

  • Mais cortes em ou­tros mi­nis­té­rios – 320 mi­lhões de euros

  • Corte de 10% nas pen­sões de apo­sen­tação (con­ver­gência) – 740 mi­lhões de euros

  • Au­mento da idade de re­forma e apo­sen­tação – 270 mi­lhões de euros

É evi­dente que o ob­je­tivo do go­verno PSD/​CDS e da troika é des­truir os ser­viços pú­blicos es­sen­ciais – saúde, edu­cação, se­gu­rança so­cial, cul­tura, etc. – através de uma re­dução muito grande do nú­mero dos seus tra­ba­lha­dores (sem tra­ba­lha­dores não há ser­viços pú­blicos que fun­ci­onem) e por meio também de um corte muito grande em ou­tras des­pesas ne­ces­sá­rias ao fun­ci­o­na­mento destes ser­viços es­sen­ciais. Muitos por­tu­gueses, se não es­ti­verem atentos, po­derão só se aper­ceber disso ao pro­cu­rarem ser­viços de saúde para si e para fa­mília, ser­viços de edu­cação para os seus fi­lhos, e pres­ta­ções so­ciais quando es­ti­verem do­entes, ou caírem no de­sem­prego, ou quando já não ti­verem idade e con­di­ções fí­sicas para tra­ba­lhar; re­pe­tindo, só quando pre­ci­sarem e isto acon­tecer e forem con­fron­tados com a ine­xis­tência de ser­viços pú­blicos es­sen­ciais é que ver­da­dei­ra­mente com­pre­en­derão as con­sequên­cias, na sua vida, do vi­o­lento ataque do Go­verno e da troika aos tra­ba­lha­dores da Função Pú­blica e à Ad­mi­nis­tração Pú­blica. E nessa al­tura dra­má­tica pouco po­derá ser feito para in­verter esse au­tên­tico pro­cesso de re­tro­cesso so­cial.

O anúncio feito por Paulo Portas de uma taxa ex­tra­or­di­nário sobre os lu­cros ex­ces­sivos das em­presas de energia, assim como me­didas para re­cu­perar uma parte da ele­vada dí­vida ao Fisco e à Se­gu­rança So­cial, que atu­al­mente ronda os 28 000 mi­lhões de euros, que de­nun­ciámos em es­tudo an­te­rior, são me­didas com efeitos ime­di­atos li­mi­tados. E isto porque, pe­rante o poder dos grupos eco­nó­micos de energia, a que o Go­verno tem dado apenas provas de com­pleta sub­missão, cer­ta­mente essa so­bre­taxa anun­ciada será me­ra­mente sim­bó­lica. E em re­lação à se­gunda ma­téria – co­brança da dí­vida de 28 000 mi­lhõesde euros – os re­sul­tados serão cer­ta­mente também re­du­zidos pois, para se poder ter re­sul­tados, é ne­ces­sário dispor de meios, no­me­a­da­mente hu­manos, e o que o Go­verno tem feito é pre­ci­sa­mente o con­trário, através de um ataque vi­o­lento aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores o que tem em­pur­rado para a apo­sen­tação pre­ma­tura os qua­dros mais qua­li­fi­cados e com maior ex­pe­ri­ência da Ad­mi­nis­tração Fiscal.

Des­truição da Ad­mi­nis­tração Pú­blica
terá graves con­sequên­cias

Um ins­tru­mento im­por­tante para re­duzir as de­si­gual­dades num país são os ser­viços pú­blicos de saúde, edu­cação, cul­tura e se­gu­rança so­cial. E isto porque, na au­sência desses ser­viços, as classes com menor poder de compra, que cons­ti­tuem a mai­oria da po­pu­lação, não têm meios para aceder a esses ser­viços es­sen­ciais a uma vida hu­mana mais digna e ao de­sen­vol­vi­mentos das suas po­ten­ci­a­li­dades.

São pre­ci­sa­mente os ser­viços de pú­blico de saúde, edu­cação, de cul­tura e de se­gu­rança so­cial que, ao per­mitir o acesso ge­ne­ra­li­zado a esses ser­viços, mais con­tri­buem para re­dução das de­si­gual­dades e para uma so­ci­e­dade mais igua­li­tária. O prémio Nobel da eco­nomia, Jo­seph Sti­glitz, no seu livro re­cente «O prémio da de­si­gual­dade», uti­li­zando o exemplo da so­ci­e­dade ame­ri­cana e de ou­tras so­ci­e­dades, mostra com cla­reza que de­fi­ci­entes ser­viços pú­blicos causam o au­mento das de­si­gual­dades, as quais cons­ti­tuem um im­por­tante obs­tá­culo ao cres­ci­mento eco­nó­mico e ao de­sen­vol­vi­mento de um país.

O Go­verno e a troika ao pre­ten­derem des­truir os ser­viços pú­blicos es­sen­ciais à po­pu­lação, como são a saúde, a edu­cação, a se­gu­rança so­cial, a cul­tura, etc., através do des­pe­di­mento de mi­lhares de tra­ba­lha­dores que ga­rantem o fun­ci­o­na­mento desses ser­viços e por meio de cortes bru­tais em ou­tras des­pesas também es­sen­ciais a esses ser­viços, causam o agra­va­mento das de­si­gual­dades em Por­tugal, e criam assim também mais obs­tá­culos ao cres­ci­mento eco­nó­mico e ao de­sen­vol­vi­mento do nosso País.

É evi­dente que um corte tão grande na des­pesa pú­blica como aquele que o Go­verno e troika pre­tendem impor ao nosso País, para além das con­sequên­cias so­ciais dra­má­ticas que ine­vi­ta­vel­mente pro­vo­cará, po­derá de­ter­minar que o País mer­gulhe numa re­cessão eco­nó­mica mais pro­funda e pro­lon­gada do que aquela que en­frenta, e ma­tará à nas­cença qual­quer ten­ta­tiva de re­cu­pe­ração eco­nó­mica.


 


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Da revolução à guerra civil, da guerra civil à NEP (1)

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